O Brasil pode ajudar a Europa em sua luta para descarbonizar e sobreviver
07/07/2025
Por Robert Davies, CTO da Brazil Iron
A indústria siderúrgica europeia encontra-se em um precipício, enfrentando uma tempestade perfeita de crescentes pressões de descarbonização, forte concorrência global em subsídios verdes e uma demanda doméstica fraca. As previsões do setor alertam que, sem ações urgentes, 60 mil empregos diretos e milhões de outros em toda a cadeia de suprimentos poderão desaparecer até 2030.
As ramificações de um colapso da indústria se espalhariam pelos centros industriais da Europa, aprofundando a estagnação econômica em regiões já enfraquecidas por quedas industriais. Para alcançar os objetivos de Carbono Zero 2050 do Acordo Verde Europeu, seria necessário um investimento substancial de aproximadamente €400 bilhões, direcionado principalmente para a ampliação da geração de energia renovável.
A produção de aço é responsável por algo em torno de 25-30% das emissões industriais de CO₂ da Europa, sendo um alvo central do Acordo Verde Europeu, ao lado dos setores de cimento, produtos químicos e manufatura com uso intensivo de energia.
O Sistema de Comércio de Emissões (ETS) da União Europeia deixou de ser uma ameaça distante e agora é uma realidade cara para os produtores de aço. Anteriormente protegida por licenças gratuitas, a indústria agora enfrenta o impacto total dos custos crescentes de carbono, à medida que essas medidas são rapidamente eliminadas. Simultaneamente, o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM) está em sua fase de transição final, com as primeiras obrigações financeiras previstas para começar em janeiro de 2026.
O ponto central para a descarbonização é a transição de altos-fornos a carvão para fornos elétricos a arco (EAFs), alimentados por energia renovável. Quando combinados com sucata de aço de alta qualidade ou ferro reduzido diretamente (DRI), os EAFs podem produzir aço com emissões próximas de zero, evitando assim os custos crescentes de carbono.
Os EAFs dependem de duas principais matérias-primas: sucata de aço de alta qualidade, que pode reduzir as emissões em até 70-80% em comparação com os métodos tradicionais, e ferro-gusa de redução direta (DRI), que, quando produzido usando hidrogênio verde, permite a produção de aço praticamente livre de carbono.
Gargalos na cadeia de suprimentos
A oferta europeia de sucata de aço compatível com EAFs está aquém da demanda global crescente. De acordo com a Associação Europeia do Aço (Eurofer), a Europa atualmente gera apenas 100 milhões de toneladas de sucata anualmente, bem abaixo das 165-180 milhões de toneladas necessárias para atender à demanda da produção de aço impulsionada por EAFs. Com 337 milhões de toneladas de nova capacidade de EAF em desenvolvimento globalmente, a concorrência por sucata está se intensificando. O crescente déficit ressalta uma dura realidade: a sucata sozinha não pode fornecer os volumes necessários para descarbonizar a indústria siderúrgica europeia.
O DRI apresenta um caminho vital para menores emissões. Usar gás natural como redutor pode reduzir as emissões de CO₂ em cerca de 50% por tonelada de aço líquido. No entanto, alcançar emissões próximas de zero depende da substituição do gás natural por hidrogênio verde. Infelizmente, a Europa ainda carece da infraestrutura de energia renovável para escalar a produção de hidrogênio verde aos níveis necessários, um desafio que pode levar décadas para ser superado.
O Brasil é a chave para a descarbonização da Europa e do mundo
No Brasil, mais de 84% da capacidade de geração de eletricidade provém de fontes renováveis, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Em estados como a Bahia, as energias renováveis representam cerca de 93% da capacidade instalada e superam 95% da geração real durante a alta temporada de ventos (abril a setembro). Somado às suas vastas reservas de minério de ferro de alta pureza que podem produzir concentrados de ferro de grau de redução direta, o Brasil está singularmente posicionado para produzir DRI de baixo carbono em larga escala.
Empresas como a Brazil Iron Ltd, no estado da Bahia, estão desenvolvendo instalações de produção de DRI alimentadas por energias renováveis. A empresa planeja produzir ferro verde (HBI - hot-briquetted iron), uma forma compacta e transportável de DRI. Inovações como a tecnologia Flex MegaMod da Midrex permitem que as usinas operem inicialmente com gás natural, reduzindo significativamente as emissões, ao mesmo tempo em que proporcionam uma transição perfeita para o hidrogênio verde, à medida que este se torna economicamente viável. Essa abordagem pragmática permite que os países europeus mantenham a produção primária de aço soberana perto dos mercados finais, ao mesmo tempo em que aproveitam a capacidade de energia renovável do Brasil para reduzir as emissões em suas cadeias de suprimentos.
O cenário geopolítico e a guerra comercial verde
A dinâmica geopolítica mudou de disputas tarifárias tradicionais para uma “guerra comercial verde” em grande escala. A Lei de Redução da Inflação (Inflation Reduction Act) dos EUA liberou bilhões de dólares em subsídios para energia limpa, desencadeando uma corrida global por subsídios que inflaciona os custos dos projetos e distorce a concorrência. Ao mesmo tempo, a supercapacidade crônica de aço da China, agora comercializada como aço "verde" com apoio estatal, ameaça inundar os mercados internacionais com os chamados produtos de aço de baixo carbono, que frequentemente carecem de verificação transparente das alegações de emissões.
As siderúrgicas europeias estão espremidas entre as crescentes taxas de carbono sob o Sistema de Comércio de Emissões (ETS) da UE e o intenso apoio estatal no exterior. À medida que as licenças gratuitas são eliminadas e o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM) da UE se aproxima de seus primeiros pagamentos, o setor precisa navegar por sinais de preços voláteis, políticas comerciais em constante mudança e intensas batalhas por subsídios. Enquanto isso, o presidente Trump dobrou as tarifas da Seção 232 sobre as importações de aço e alumínio para 50%, com efeito a partir de 4 de junho de 2025. Sem uma estratégia coerente da UE para combater o dumping de subsídios e as ameaças tarifárias, os produtores europeus correm o risco de perder participação de mercado, minando as ambições de carbono zero do bloco e erodindo a autonomia industrial estratégica.
O aço verde e o futuro do trabalho
A produção de aço sustenta cerca de 330.000 empregos diretos na Europa e milhões mais em toda a cadeia de suprimentos. Regiões como o Vale do Ruhr na Alemanha, Astúrias na Espanha e Lorena na França enfrentam devastação econômica caso a produção de aço entre em colapso.
O setor siderúrgico do Reino Unido, embora fora da UE, enfrenta desafios paralelos, sustentando cerca de 39.000 empregos diretos e 180.000 nas cadeias de suprimentos. A reestruturação em andamento na maior siderúrgica britânica, a Port Talbot, exemplifica os desafios da transição para uma economia de baixo carbono, que podem ser mitigados por meio de parcerias estratégicas na cadeia de suprimentos e demanda por aço verde de fabricantes de equipamentos originais (OEMs).
O caminho da indústria siderúrgica rumo à descarbonização
A indústria siderúrgica europeia precisa de uma estratégia ousada e pragmática. O continente não pode se dar ao luxo de esperar que a infraestrutura doméstica de energia renovável e hidrogênio se desenvolva; é preciso agir agora. Matérias-primas de transição, como o HBI, oferecem uma forma imediata de reduzir as emissões, ao mesmo tempo em que preparam o terreno para um futuro totalmente renovável. As prioridades devem ser:
A Europa precisa agir de forma decisiva, aproveitando soluções já ao seu alcance para garantir a sobrevivência de sua indústria siderúrgica em um futuro descarbonizado. E o Brasil tem potencial para ser um grande aliado do velho continente nesta missão.
Lista de Referência Geral
Deutsche Bank. Disponível em: “Mercado de carbono da UE: mais por vir”
Energia Renovável no Brasil
Fonte ANEEL: https://www.irena.org
Dados no Artigo e Referências Correspondentes:
337 milhões de toneladas de capacidade de EAF em desenvolvimento globalmente